Thursday, March 03, 2011

Música - Inverno Desinspirado do Rapaz do Sul do Céu - Thiago Lacrau (Thiago Guilul)

Uma Matéria legal que encontrei do Thiago Guilul (ou Cavaco, ou Lacrau como preferirem), é sobre um projeto que mescla mensagens evangelísticas com trechos de riffs do Slayer,como sou fã dos dois ai vai minha indicação,a matéria está em português de portugal ô pá, :


Tiago Guillul deixou cair o apelido hebraico do nome artístico e voltou a ser o Tiago Lacrau dos discos mais espontâneos e imbuídos pelo verdadeiro espírito “do it yourself”. A mudança não só torna tudo mais prático para o próprio, como facilita a vida de quem o apresenta sem estar obrigado a recapitulações exaustivas. Pois bem, é o Tiago do abanão no rock tuga, com os surpreendentes IV e V; o patrão da Flor Caveira, o pastor da Igreja de S. Domingos de Benfica e o blogger sénior e geralmente inspirado na “Voz do Deserto”. Ele que se despediu da pele (ou fardo) Guillul, com um álbum que samplava rock evangélico do baú, e que agora recupera o Lacrau com dez temas, que roubam desavergonhadamente excertos inteiros do metal dos Slayer de “South of Heaven”.
Lançado no passado dia de S. Valentim, o Inverno Desinspirado do Rapaz do Sul do Céu não tem assim tanto a dizer sobre o amor dos beijinhos, mas vale por ser um disco muito enamorado pelos tempos em que o punk rock circulava livremente entre o pessoal do liceu. Dentro desse espírito, o download gratuito pode ser feito aqui e a edição física será limitada a 333 cópias com todas as características do lançamento amador. A amálgama, desta vez, soa a música para uma série apocalíptica, em que Tiago Lacrau pega num megafone para quase rappar umas rimas evangélicas por cima do metal directo do produtor Rick Rubin, o guru das sessões que levaram os Slayer a “South of Heaven”. E o Inverno Desinspirado do Rapaz do Sul do Céu não teme sequer irritar gente mais sensível com esta mistura muito mais pronta para gratificar do que para assumir uma missão artística. Lembremo-nos de que nem todos podem ser discos do ano ou documentos definitivos para uma geração.
Como se fosse um herói regressado, o Rapaz do Sul do Céu responde à militância de quem ainda insiste em maldizer Tiago e a Flor Caveira com a resistência de um disco que grita a vontade de ficar – quase como quem transforma “You can’t fire me, because I quit”, o verso explosivo de Kurt Cobain, em “You can fire me, because I won’t quit”. Parece que o artista anteriormente conhecido como Tiago Guillul vai continuar por aí a gravar discos e a andar de skate. Foi precisamente esse tipo de descontracção que dominou uma conversa com o gajo.
Vice: Acreditas que o facto de teres arrumado recentemente o nome de Tiago Guillul deixa-te mais à vontade para exercitar os teus outros desdobramentos, que não geram as mesmas altas expectativas? É isso que acontece neste novo disco, não?
Tiago Lacrau: Foi também por andar tão cansado de tanta gestão de identidade que larguei o nome Guillul. Não é suposto que o rock seja psicoterapia e se largar um nome permite que os discos falem mais alto, então óptimo. Mesmo que não seja consciente consigo reconhecer que fazer este disco de uma maneira mais localizada e sem preocupações editoriais mais vastas permite saborear melhor o objecto em si. Desde as fotocópias à caneta de acetato no CD-R, “feels like home again”. Isto sem demonizar os processos mais industriais.
A estética das canções do Inverno Desinspirado do Rapaz do Azul do Céu lembrou-me principalmente de “Agora”, do V. Reconheces que o método utilizado nos dois casos foi semelhante? Dirias que aquela vontade de samplar, comum no V, transbordou também para este disco? Andas um pouco viciado na repetição daquelas guitarras mais esmagadoras, não?
O “Agora”, entre outros exemplos do V, já era acerca do mesmo truque: um excerto rudimentar em loop e rimar em cima. A rigor, a primeira vez que trabalhei sobre trabalho alheio foi no Outono Melancólico das Borboletas Borbulhas e também nos Mais Dez Fados Religiosos de Tiago Guillul em 2003. Mas aí o que roubava eram apenas os elementos rítmicos. Foi no Verão Nostálgico do Tiago Lacrau, em 2009, que pela primeira vez samplei partes melódicas alheias. No V voltei a isso e agora nesteInverno Desinspirado essa é o ponto de partida fundamental. O facto de andar a ouvir a “South Of Heaven” no carro e de ter voltado a consumir cafeína foram decisivos para me precipitar sobre guitarras esmagadoras, ensanduichadas por aquele som de bateria rimbombante que só o Rick Rubin sabe produzir. No fundo, trabalhámos e entendemo-nos os dois muito bem.
Existem alguns coros neste disco, tal como já acontecia no V, que me lembram muito aqueles momentos em que os heróis são recebidos por um povo e todos cantam depois umas melodias, que podiam pertencer a um daqueles grandiosos filmes em Technicolor ou a uma longa-metragem da Disney. Sentes que esses momentos de euforia no cinema representam uma influência na tua música? Tens bandas-sonoras favoritas que sustentem esta minha noção ou nem por isso?
Nunca tinha pensado na minha rudimentar euforia melódica como possível influência cinematográfica. Pode estar aí alguma sublimação apolínea. Mas na prática acaba por ser o facto de eu gostar muito de harmonizações, não resistir a tentar fazê-las, e deixar que as minhas limitações de afinação apareçam. Provavelmente a banda-sonora que mais me entusiasmou foi o Judgement Night (que curiosamente juntava os Slayer aos Bodycount na excelsa “Disorder”), o que não é uma grande obra fílmica (apesar do filme ser bom). Mas tem muito a ver com este tratamento rap-metal-manhoso que está no Inverno Desinspirado.
O “Inverno desinspirado” no título parece indicar que a estação não te trouxe muito ímpeto ou pachorra para escrever novas canções. Este disco surge também como terapia para isso?
Este é o terceiro disco que faço invocando estações (depois do Outono Melancólico das Borboletas Borbulhas e de O Verão Nostálgico do Tiago Lacrau). Por um lado chamar-lhe desinspirado é estabelecer um fundamento para a pilhagem programática que não precisa de justificar ambiciosas autorias. Por outro, pode ser uma reacção ao facto de nos últimos tempos a ideia de Verão ter ocupado tanto espaço na minha cabeça. Talvez seja uma reconciliação com o Tempo. Falta agora fazer um disco falando na Primavera.
Existe desde sempre um fascínio pela possibilidade de haver mensagens subliminares na música mais pesada principalmente. Pareces jogar também um pouco com isso ao mencionar a cruz invertida numa das letras. Perguntava-te se a manipulação dos samples e todo o tempo que lhes dedicaste não revelaram mais em relação a isso, quer neste disco, tal como no V? Sentiste em qualquer momento que estavas perto de um desses segredos ocultos na música?
Há uma libertação para mim neste disco: assumir o sermão (ainda que também de uma maneira lúdica). Esta é uma vantagem que tenho, enquanto pregador profissional. Sou pago para assumir aquilo que todos os outros escondem. Dizer coisas sem fingir que não as disse. Para quem, como eu, não acredita em neutralidade das palavras, é fantástico poder encadear argumentos a pretexto de uma batida. Por muito que a ideia de fazer proselitismo a partir da música possa escandalizar muita gente, para mim parece-me a razão mais certa para ouvir ou tocar qualquer coisa. É este pragmatismo protestante que já estava no Soli Deo Gloria que Bach acrescentava no final de cada coisa que compunha (perdoem-me o salto epistemológico do trash para a erudição).
Não temes qualquer complicação legal com esta utilização tão assumida dos samples de Slayer?
Seria uma grande gorjeta para tão humilde taxista quanto eu!
É engraçado ver que partilhas os créditos de produção com o próprio Rick Rubin. Até onde vai a tua admiração pelo Rick Rubin? Dirias que a sua influência já se manifestava em discos teus anteriores? Mais uma vez devo recuperar o exemplo de “Agora”, porque transparecia muito aquele som mais “crunchy” do Rick Rubin.
O Rick é o nosso homem. O Rick é o Rick dos Run-DMC, dos Slayer, dos Red Hot Chili Peppers, do Johnny Cash, do Jay-Z, do Neil Diamond! Foi também à sombra do Rick que, quando comecei a gravar outros, como o Samuel Úria, me quis proteger. Um produtor mais do que uma pessoa que sabe mexer nos botões é alguém com uma ideia. É um chato que muda o rumo dos acontecimentos. Mais do que um determinado som, gosto quando ouves um disco e detectas um estilo que pode perfeitamente passar por um defeito. Agrada-me a ideia de que nos meus discos ou nos discos que produzo as pessoas possam dizer: “isto está tão mal gravado que só pode ter sido o Tiago”. Os discos que vamos gravando são a nossa pequena maquete de auto-biografia.


ENTREVISTA POR MIGUEL ARSÉNIO
Leia essa matéria  no Vice Magazine: POSSUÍDO POR SKATE E SLAYER - Vice PT 

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